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terça-feira, 5 de setembro de 2017

Amor dá em árvore?
Muda de nome e endereço?
Amor atende telefone?
Anda descalço, sobe pelas paredes?
Amor sabe o que é laço?
Entende bem o português que falo?
Amor joga video-game, pula corda?
Amor anda de bicicleta?
Amarra os sapatos?
Brinca de esconde esconde?
Amor sabe que faz falta?
Onde o amor faz as compras de mês?
Qual padaria prefere aos sábados?
Onde se diverte?
Amor sabe dar cambalhota? Plantar bananeira?
Amor pisca?

Amor sente.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Conversa de parafusos

E já se vão quase cinco anos... Quase cinco depois que o barco virou e eu perceber que não sabia nadar. Achei que sabia, mas só tinha nadado nas águas rasas e sob sua supervisão.

Mas esse não é um texto desabafo sobre o quanto sinto sua falta, porque sinto, mas essa agora é uma constante e não vem ao caso. Começo assim o texto porque sinto que escrever, hoje em dia, é meio como falar com você. Fica mais fácil conversar com a mãe na minha cabeça pra conseguir escrever a quem quer que leia, sobre as coisas que andam e pisam e esmurram portas. Não literalmente, é uma conversa sobre sensações, mãe. Já tive muita raiva, bom, as vezes me irrito pensando que você nunca mais vai estar aqui pra poder discutir política comigo, sentar e rir das bobeiras que eu falo. E brigar, céus, como é estranho sentir falta das brigas que a gente tinha! Eu já tive raiva de não poder contar com você pra fatura do cartão, pro almoço no fim do mês, pra falar que tô estudando de novo, serviço social, imagina? Ela tinha razão (mais uma vez), mãe! Como ela conseguia me ler assim, como se eu estivesse aberto em dois!

Aberto mãe, com ó no final mesmo. A gente nunca teve tempo pra essa conversa né? Eu não tinha clareza nenhuma dentro de mim pra poder te explicar, me explicar isso. Mas é, ó no final, ele, pessoa trans, eu lembro de ter te explicado isso ao menos. E lembro de você entender. Eu tenho medo mãe, de já ter te romantizado, ter guardado uma imagem que não é muito fiel, eu já esqueci da sua voz! Até hoje não consegui ver um só vídeo seu. Perdi aquele outro que você cantava 'ovelha negra', tocando o violão como quem sabia tudo, coitado do violão... Eu não sei o que você falaria comigo se estivesse aqui, agora, não sei como se sentiria afetada, não sei nem se me daria o apoio que sonho que me daria, mas isso não é o importante agora, o que importa é que, falar com sua lembrança na minha cabeça me dá calma.

Ela desatou nós, mãe. Igual aquela música que não vou poder te mostrar! E eu fiquei como quem decide ser feliz no meio do caos. Ser feliz mesmo com dor, com saudade, mesmo triste, entende? É a escolha que eu faço, 'todos os dias quando acordo'. Eu reparei uma dor no peito. Bem tímida, bem escondida. Uma dor de não demonstrar, sei lá. Dói não ser possível dizer que reconheço, que sinto tanto, sinto muito. É uma dor estranha demais, é uma dor de carinho, carinho que estacou. Empacou.

É engraçado isso tudo, parei para reler algumas linhas e me sinto bobo de te escrever pra dizer do rio dos meus sentimentos, suas profundezas e curvas. Suas, minhas, falhas. Mas não me envergonho, não mãe. Me recuso. Apenas reconheço o meu caminho, agradeço as delicadezas que a vida me ofereceu. O amor que ela me deu, o it que passou e me deixa feliz de lembrar, acho que ele causa essa dor estranha, mas não me queixo. Esse rio de sensações e sentimentos são a prova viva que vivo, estou vivendo. "Dias vão dias vêm, uns em vão outro nem", Zeca mãe, você também gostava de ouvir. Menos aquela do cigarro, essa não. Conversar com você me ajuda a não perder o foco, e assim vai passando, a dor, a alegria, esses cinco anos. E a última coisa que você me disse ainda ecoa nos ouvidos, como é cansativa a vida, mãe! Posso imaginar!

Não, não vou falar do Sassa hoje, ele vai receber o capítulo dele à parte, hoje é o meu rio de não ditos, esquecidos mãe. De lembranças deliciosamente reais, que boas ou não, tive nessa vida, e tive com você. Dos teatros e programas que adorava te levar, sempre penso 'nossa, minha mãe ia amar essa peça'. E ia mesmo. Mas será que ainda ia amar o que eu me tornei, essa pessoa? Ia me dizer que eu errei? Ou ia falar que tudo isso ia passar e meu coração ia se abrir algum dia?

Não sei, mãe. O que eu sei é que é muito mais fácil falar de mim quando finjo estar conversando com você, finjo? Não, quando converso com você-lembrança na minha cabeça. Assim consigo dizer muito do que não digo, Você-lembrança esclarece minha cabeça, foca, e eu sinto sua falta, todos os dias. Uns mais que outros. Eu não tive tempo, mãe, de te falar mais uma vez que eu te amo. E tenho medo dessa falta de tempo ter corrompido meu coração, porque depois que você morreu, parece que eu pisei na bola demais, senti demais e fiquei nesse mundo, dentro de mim. Muita coisa aconteceu, eu sinto falta de outro alguém também. Mesmo que a falta seja da lembrança do que a gente foi e há muito já não era. Só espero, mãe, que eu amadureça, nunca sinta vergonha de assumir minhas decisões, assumir quem eu sou e quem eu quero ser. E que meu coração se abra novamente e o universo me ensine a amar mais mesmo que o tempo seja muito curto.

Vem ver

Beringela

     Hoje eu quis falar com você, conversar sem nenhuma restrição sobre tudo o que fosse e é e será. Hoje eu quis muito que a cozinha fosse ...