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quinta-feira, 9 de novembro de 2017

fragmentos

Toda história tem dois lados, três, vários.
Muda o narrador, muda a forma de contar.
São realidades que se formam paralelas umas às outras.

Eu não sei quando percebi que o barco estava afundando. Percebi tarde demais que o rombo no casco tinha sido feito pela minha fuga. Pra fugir de mim tive de fugir de você, te negar como aliado, te negar a existência.

Arrependimentos? Sim, vários. Mas arrependimentos não concertam espíritos partidos.
Como pedir desculpas quando você não se perdoa? Não quero transferir mais essa responsabilidade.

Dentro de mim a certeza de que não há perdão é grande. Os machucados são profundos e talvez só o tempo pode contar dessa cicatrização.

A expectativa se concretizou, o boicote aconteceu, a minha responsabilidade me chamou atenção e o que fazer com esse pedido de perdão? Olho pela janela e essas poucas palavras que começaram a sair com a claridade do dia terminam em noite. A dificuldade permanece, sou o último a sair. Me desculpe, apago a luz.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Amor dá em árvore?
Muda de nome e endereço?
Amor atende telefone?
Anda descalço, sobe pelas paredes?
Amor sabe o que é laço?
Entende bem o português que falo?
Amor joga video-game, pula corda?
Amor anda de bicicleta?
Amarra os sapatos?
Brinca de esconde esconde?
Amor sabe que faz falta?
Onde o amor faz as compras de mês?
Qual padaria prefere aos sábados?
Onde se diverte?
Amor sabe dar cambalhota? Plantar bananeira?
Amor pisca?

Amor sente.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Conversa de parafusos

E já se vão quase cinco anos... Quase cinco depois que o barco virou e eu perceber que não sabia nadar. Achei que sabia, mas só tinha nadado nas águas rasas e sob sua supervisão.

Mas esse não é um texto desabafo sobre o quanto sinto sua falta, porque sinto, mas essa agora é uma constante e não vem ao caso. Começo assim o texto porque sinto que escrever, hoje em dia, é meio como falar com você. Fica mais fácil conversar com a mãe na minha cabeça pra conseguir escrever a quem quer que leia, sobre as coisas que andam e pisam e esmurram portas. Não literalmente, é uma conversa sobre sensações, mãe. Já tive muita raiva, bom, as vezes me irrito pensando que você nunca mais vai estar aqui pra poder discutir política comigo, sentar e rir das bobeiras que eu falo. E brigar, céus, como é estranho sentir falta das brigas que a gente tinha! Eu já tive raiva de não poder contar com você pra fatura do cartão, pro almoço no fim do mês, pra falar que tô estudando de novo, serviço social, imagina? Ela tinha razão (mais uma vez), mãe! Como ela conseguia me ler assim, como se eu estivesse aberto em dois!

Aberto mãe, com ó no final mesmo. A gente nunca teve tempo pra essa conversa né? Eu não tinha clareza nenhuma dentro de mim pra poder te explicar, me explicar isso. Mas é, ó no final, ele, pessoa trans, eu lembro de ter te explicado isso ao menos. E lembro de você entender. Eu tenho medo mãe, de já ter te romantizado, ter guardado uma imagem que não é muito fiel, eu já esqueci da sua voz! Até hoje não consegui ver um só vídeo seu. Perdi aquele outro que você cantava 'ovelha negra', tocando o violão como quem sabia tudo, coitado do violão... Eu não sei o que você falaria comigo se estivesse aqui, agora, não sei como se sentiria afetada, não sei nem se me daria o apoio que sonho que me daria, mas isso não é o importante agora, o que importa é que, falar com sua lembrança na minha cabeça me dá calma.

Ela desatou nós, mãe. Igual aquela música que não vou poder te mostrar! E eu fiquei como quem decide ser feliz no meio do caos. Ser feliz mesmo com dor, com saudade, mesmo triste, entende? É a escolha que eu faço, 'todos os dias quando acordo'. Eu reparei uma dor no peito. Bem tímida, bem escondida. Uma dor de não demonstrar, sei lá. Dói não ser possível dizer que reconheço, que sinto tanto, sinto muito. É uma dor estranha demais, é uma dor de carinho, carinho que estacou. Empacou.

É engraçado isso tudo, parei para reler algumas linhas e me sinto bobo de te escrever pra dizer do rio dos meus sentimentos, suas profundezas e curvas. Suas, minhas, falhas. Mas não me envergonho, não mãe. Me recuso. Apenas reconheço o meu caminho, agradeço as delicadezas que a vida me ofereceu. O amor que ela me deu, o it que passou e me deixa feliz de lembrar, acho que ele causa essa dor estranha, mas não me queixo. Esse rio de sensações e sentimentos são a prova viva que vivo, estou vivendo. "Dias vão dias vêm, uns em vão outro nem", Zeca mãe, você também gostava de ouvir. Menos aquela do cigarro, essa não. Conversar com você me ajuda a não perder o foco, e assim vai passando, a dor, a alegria, esses cinco anos. E a última coisa que você me disse ainda ecoa nos ouvidos, como é cansativa a vida, mãe! Posso imaginar!

Não, não vou falar do Sassa hoje, ele vai receber o capítulo dele à parte, hoje é o meu rio de não ditos, esquecidos mãe. De lembranças deliciosamente reais, que boas ou não, tive nessa vida, e tive com você. Dos teatros e programas que adorava te levar, sempre penso 'nossa, minha mãe ia amar essa peça'. E ia mesmo. Mas será que ainda ia amar o que eu me tornei, essa pessoa? Ia me dizer que eu errei? Ou ia falar que tudo isso ia passar e meu coração ia se abrir algum dia?

Não sei, mãe. O que eu sei é que é muito mais fácil falar de mim quando finjo estar conversando com você, finjo? Não, quando converso com você-lembrança na minha cabeça. Assim consigo dizer muito do que não digo, Você-lembrança esclarece minha cabeça, foca, e eu sinto sua falta, todos os dias. Uns mais que outros. Eu não tive tempo, mãe, de te falar mais uma vez que eu te amo. E tenho medo dessa falta de tempo ter corrompido meu coração, porque depois que você morreu, parece que eu pisei na bola demais, senti demais e fiquei nesse mundo, dentro de mim. Muita coisa aconteceu, eu sinto falta de outro alguém também. Mesmo que a falta seja da lembrança do que a gente foi e há muito já não era. Só espero, mãe, que eu amadureça, nunca sinta vergonha de assumir minhas decisões, assumir quem eu sou e quem eu quero ser. E que meu coração se abra novamente e o universo me ensine a amar mais mesmo que o tempo seja muito curto.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Gratidão

Ninguém nunca me explicou como tirar esse aperto do peito, essa angustia de não ter sido o que queria ser. Nunca me pegaram pelas mãos, desenharam toda a explicação do mundo, das regras, dos efeitos que minha passagem por ele gerava. Ninguém disse que ia ser fácil, pelo contrário, só ouvi das dificuldades, dos obstáculos, de como eu precisava vencer. Me disseram pra ser forte, passar por isso firme, enrijecer.

Não senti verdadeiramente o apoio que me ofereciam, o conforto. Passei a vida afundando e voltando do poço.

Até você.

Entrar na minha história, me pegar pela mão, desenhar a vida. Dar força, suporte.

Palavras não são suficientes, meu agradecimento só consegue, fielmente, traduzir seu efeito na minha vida pelos toques trocados. Suaves, firmes, delicados, grosseiros. Nossos.

A dor vai doer. A lágrima vai secar. O sorriso vai se esconder mas nada, nada, vai tirar essa sensação de que a melhor coisa que poderia me acontecer nesse momento, nessa vida, ser esse nosso encontro.

Cada parte de mim guarda lembranças de você. Tenho seu sorriso gravado na minha retina. Sua existência traz em si uma força que jamais, repito pela importância, jamais deveria ser parada.

Se guardo algo de ruim é a decepção. Comigo mesma, por não conseguir retribuir, da forma que eu queria, essa gratidão pela existência de alguém. 

Não guardarei nada que for bom, porque o bem que quero precisa estar livre, para que o universo faça o que não tive habilidade de fazer.

Te amar foi pouco. Esteve pouco.

Continuo meu caminho, te querendo bem, esperando devolver da melhor forma possível o amor que senti na pele e na alma. Nem sempre estive presente, fisicamente, pra te fazer sentir o bem que você me faz.

Me desculpe. Me odeie.

Mas nunca me senti tão grata na vida como me sinto por você ser exatamente assim, do jeito que você é, em todas as nuances, na sombra, no fogo. Em ser.

Não chorarei o leite derramado, o copo caiu das minhas mãos. Só desejo que essa imensa gratidão que habita meu peito se transforme em chuva e que ela mate a sua sede e que nunca mais te pare, e que seja suave, e que nunca te torne invisível.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Acaba?

Rima.
Ou pelo menos revira nas palavras essas sensações que já trouxeram paz.
Rima que seu sorriso não combina com raiva, alimente-as ou não.
Rima que o primeiro te amo e o primeiro te odeio se transformam.
Você já é tela, tinta e poeta.

terça-feira, 19 de março de 2013

Falta apertadinha...



Cansada e vazia para discussões, a saudade vem primeiro suave e logo se transforma em turbilhão.
Sua casa ainda é um lugar difícil, cheio de lembranças que ainda não consigo processar.
Tudo é passageiro, uma hora esse incômodo passa e eu consiga pensar em você só com aquela saudade gostosa de sentir, por que alguém foi/é especial na vida...
Mas hoje...
Queria poder sentar do seu lado hoje, mãe, contar todos os casos do dia, rir de alguma bobagem (sua ou minha, tanto faz), dividir o caos que tem sido tudo.
Trabalhos, estudos, afetos...
Caótico mas tem valido a pena.
A casa vai tomando forma aos poucos...
O trabalho vem e vai, como o dinheiro.
Os afetos me ensinam muito, mesmo que demore um pouco para entender o que de fato ensinam...
As coisas que você me deu vão adquirindo novos sentidos, novas energias. Mas não substituem.
Queria poder te chamar pra ir lá em casa depois de arrumada, tomar um café, costurar qualquer coisa, não sei... 
Sinto saudades.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Irmão

Tenho medo das minhas dores. Coluna, braços, pernas...
Já não são os mesmos, estão exaustos.
O peso que carregam todo dia está drenando a energia do meu corpo.
Meu irmão, que tem 27 anos e pesa mais ou menos 70 quilos, tem que ser carregado pra todo lugar.
Mas não é mimimi de minha parte, não quero que sintam pena de mim. Escrevo porque preciso.

Aos seis meses de gestação do meu irmão minha mãe contraiu rubéola. Uma doença infecto-contagiosa que se cura sozinha mesmo sem tratamento, nada de mais. Seus sintomas são parecidos com os de uma gripe. O problema maior está na infecção quando grávida.
Eu li em algum lugar que nos três primeiros meses ela pode ser transmitida para o feto. Digo que em qualquer estágio de gravidez ela vai ser transmitida para o feto e causar má formação. Meu irmão tem microcefalia congênita, mas não sei precisar mais a condição dele. Já ouvi falarem em hidrocefalia, mas não acho que seja o caso dele.
O que aconteceu é que esse vírus atacou o feto e atrapalhou o desenvolvimento dele. Meu irmão não anda, não fala (na verdade fala sim, mas é uma outra língua exclusiva dele), e precisa de ajuda para tudo. Pra comer, tomar banho, escovar, se limpar, tudo. Eu, mais nova que ele, cresci na realidade dele. Nunca o enxerguei como um doente ou extraordinário. Ele é o meu irmão e o amo. Simples.
Desde que tive forças para o segurar que ajudo nos cuidados diários dele. Carregava ele pra cima e pra baixo já aos 8 anos. Brincava, ria e também brigava com ele. E quando alguém fazia piada ou algum comentário ofensivo eu estava lá pra defender o meu irmão. Já rolei no chão brigando com colegas que falaram que ele era retardado. Em uma festa da escolinha mista que ele frequentava, eu, com meus 4 ou 5 anos, ouvi falarem "olha que dó ele é doente", me contam que eu olhei pro meu irmão e respondi "não é não, olha só, o nariz dele nem tá escorrendo".
Os anos se passaram e a minha postura é a mesma. Meu irmão é um cara fantástico! Hoje um cara barbudo, com cabelos brancos aparecendo, zoador! Quem tem a oportunidade de passar um tempo com ele se apaixona, a diversão dele com minhas amigas é imitar a risada. A Stela até ganhou um "novo nome" na língua dele.
Os anos se passaram, meu irmão. E eu ainda estou aqui pra te defender de qualquer pessoa que venha te taxar como estorvo. Não sou mais a mesma, estou fraca fisicamente mas faço de tudo pra continuar cuidando de você.
Acontece que preciso cuidar de mim também. Eu que nesses anos todos não prestei muita atenção e mim mesma, percebi que não adiantava dedicar minha vida a você se não estivesse bem comigo mesma.
E não estou.
Os seus cuidados diários são constantes. Da hora que você acorda até a hora de dormir, e em alguns dias é preciso fazer uma hora extra. Não posso continuar nesse ritmo.
Quero poder fazer muito por você, mas de formas diferentes. Essa rotina pesada nos leva a trilhar caminhos seguros, até demais. Quanto tempo não saímos pra uma praça, um parque ou praia com você? É um carrega malas, cadeira, carro que impede que a gente se arrisque a passar um tempo produtivo com você por causa de detalhes.
Mano, eu te amo muito, muito mesmo! Minha vida sem você pra dividir o tanto de coisa que a gente divide diariamente vai ser um pouco vazia, mas é preciso. Preciso ter consciência de mim, conquistar minhas metas, meus espaços, pra viver bem e plena e feliz. Tenho certeza que você entende que as minhas faltas não são porque não gosto de você, é por gostar demais que não consigo ser exatamente igual nossa mãe que desistiu da vida toda pra te dar atenção.
Escrevi isso tudo porque nunca falei com você. Não porque eu ache que você não entende, mas porque não sei como vou reagir a tudo. Tenho medos mano, muitos. Assumir assim a minha vida sem ter nada como "desculpa" é uma trabalheira só. Mas tenho certeza que é isso que quero pra mim. E quando você vir que estou bem, tenho certeza que é o que você vai querer também.

Vem ver

Beringela

     Hoje eu quis falar com você, conversar sem nenhuma restrição sobre tudo o que fosse e é e será. Hoje eu quis muito que a cozinha fosse ...