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sábado, 24 de dezembro de 2022
Só mais uma de saudade
domingo, 10 de abril de 2022
Foi-se
Acordo de uma noite sem sonhos, ao me levantar ainda sinto meu corpo à deriva nesse mar de nadas em que adormeci. O sol discreto também parece meio perdido, sua luz flutuando em meio a um oceano de nuvens.
Uma frase passa pela minha cabeça, "tudo é improviso", resolvo então não planejar nada. Rotina sempre me deixou exausto, provavelmente porque eu penso demais e me fixo em detalhes. Acho que Caio chamava isso de "parafuso na cabeça", faz muito tempo que não leio Caio, ou qualquer outro autor, na verdade.
A rádio da minha cabeça toca uma música que vive repetindo dentro de mim, "achei que você se lembrasse, mas parece que você esqueceu", de improviso entro no banheiro, um banho talvez tire esses pensamentos todos do meu campo de visão.
Abro a torneira, o chuveiro me banha com um carinho que me pareceu desconhecido, carinho.
Não tenho tido muito carinho comigo, não é?
Todos os dias exausto acordo e me forço a seguir uma lista anteriormente definida de afazeres que quase sempre deixavam de lado o que eu queria.
Os dias foram ficando iguais, e eu cada vez mais cansado e vazio. "Agora são oito da manhã, ódio na manhã", minhas mãos tremem enquanto lavo a cabeça.
Então começo a chorar debaixo da ducha quente, minhas lágrimas se misturando à agua do chuveiro, me sinto escorrendo pelos meus dedos.
No banheiro sem espelhos me vejo pela primeira vez em anos, "consego sentir a dor, e você?"
Viver cansa, deveria ser assim? Se arrastar ao longo das horas dos dias, misturar o ontem hoje e amanhã? "Parado aqui sozinho estou procurando por algo, mas não sinto nada"
Cresce dentro de mim uma sensação conhecida, essa eu vejo todos os dias, a frustração embraza, envolve, sufoca e antecipo todas essas sensações.
Mas não, dessa vez ela me suporta suavemente com seus braços, acalenta meu choro que aumenta e me embala.
Por que eu estou chorando tanto? Subo os olhos, a água cai ritimada, me lembra a chuva.
"Aqui não parece minha casa", ainda é minha, mas o conforto que eu esperava está longe de fazer disso aqui um lar. mas a culpa não é da construção, na realidade nem culpa há para se direcionar a algo.
"Todo meu amor se foi", a canção continua enquanto tento cantarolar e me engasgo no banho. Esse é um bom momento pra encerrar essa ducha, escovo meus dentes e me seco.
Decido mais uma vez que preciso cuidar de mim, preparo um café, ovos e pão. começo a pensar que preciso comprar frutas, mas logo deixo esse pensamento ir também, o cheiro da comida me pesca de volta em atenção.
A vida não é ruim, minha cabeça não está quebrada, talvez meu coração, mas não sei dizer. O próximo gole de café me afasta de tudo isso. Nele consigo sentir que estou em outro lugar. Sinto brisa e sol e paz. Fecho os olhos e quase consigo sentir o cheiro do mato.
Abro meus olhos no meio da cozinha, minha alma está cansada, minha atenção se volta pro corpo, pesado, triste, carente
É isso, tanto tempo fiquei fechado dentro de mim e de uma ideia de sobrevivência que eu não tenho aproveitado mais o que os dias entregam.
Depois do café um cigarro, meu vício, meu apoio, já tem três meses que minha médica me tirou do antidepressivo, nunca soube o que isso significava, mas agora eu sinto, percebo meus desejos, minhas repulsas, eu não quero viver de ódio, de rancor.
Estamos todos à deriva, invariavelmente. O melhor que posso fazer agora é apreciar a vista.
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