Elas brigavam por causa de um jardim.
Deixe-me explicar, elas eram um casal... Ou pelo menos pareciam quando estavam juntas... Mas não vim contar sobre a relação delas, vim falar do jardim, e da briga que tiveram por causa dele.
Chamaremos uma de Marte e a outra de Vênus, pra demonstrar as diferenças.
A história é a seguinte, Vênus tinha um jardim, no apartamento térreo de um prédio de vinte andares, um belo e grande jardim. Marte morava no mesmo prédio, na cobertura.
Mas Vênus era muito ocupada pra dar a atenção que o jardim merecia, então Marte perguntou se poderia ela, cuidar do jardim.
Todos os dias, Marte entrava pelos fundos do prédio, direto no jardim, e passava horas por lá, regando, plantando, adubando e mais que tudo dando atenção pro lugar.
Vênus viajava, trabalhava e continuava com sua correria, encontrava Marte apenas quando estava em casa, normalmente correndo, e ia para o jardim.
Não comecem a pensar que Vênus era uma desnaturada, ou ingrata... Não, ela realmente não tinha tempo, e era muito grata a Marte por cuidar, com tanto carinho, do seu jardim.
Um dia porém, Marte chegou ao jardim e tudo estava diferente. As plantas, os vasos, as mesas, tudo! Tudo fora dos lugares que Marte havia colocado. Ela ficou furiosa, mas decidiu procurar saber o que tinha acontecido.
Quando Vênus chegou, ela perguntou o que havia ocorrido, quem tinha mexido no jardim. Mais ainda, quem tinha mexido, sem avisar, no jardim que ela cuidava.
Vênus respondeu que era uma amiga, chamaremos de Júpiter. Sem explicações para escolha do planeta que a nomeia.
Retomando, Vênus disse que sua amiga Júpiter havia ficado em sua casa e decidido cuidar também do jardim, disse ainda que Marte devia era ficar contente em ter alguém pra dividir o trabalho com ela.
Marte retrucou perguntando se Vênus nunca havia reparado em nada no jardim.
Vênus disse que adorava o trabalho de Marte ali, mas que eram só plantas, não precisava tanto drama por causa de algumas mudanças.
Enquanto brigavam, Marte recolocava tudo no lugar e Vênus ia se irritando com tanto drama, tanta tempestade. Não entendia porque Marte havia ficado tão brava, e atribuiu isso a ciúmes.
Vênus ameaçava ir embora, tinha muitos compromissos e não podia se atrasar por mero ciúmes infantil. Mas ficou até Marte acabar de reorganizar suas plantas.
Quando terminou Marte, mais calma, pegou Vênus pelas mãos, e calmamente deu uma volta no jardim explicando todo o cuidado no trato das plantas e agora reproduzo suas falas:
- Aqui eu plantei roseiras, margaridas, crisântemos, algumas violetas, alecrim, louro e outras folhas perfumadas, no centro do jardim há uma dama da noite, por que eu sei que você gosta do cheiro... Todos os dias eu entro e dou amor a elas... Elas não podem me responder, mas a cada dia vejo que a resposta delas está na beleza que emana de cada uma delas. Eu cuido do jardim pensando no que você gostaria que tivesse. Eu cuido dele como se cuidasse de você. Todos os dias eu rego de carinhos, tentando que esses carinhos cheguem até você. Todos os dias eu espero você perceber ou comentar alguma coisa mágica. Mas vivemos depressa demais e nem sempre conseguimos acompanhar a lenta dança da magia.”
Ainda de braços dados com Vênus, Marte a guiava até o elevador, subiam para o terraço, onde morava.
- Nesse todo tempo em que cuido do jardim, espero que você perceba uma surpresa. E não é ciúmes, ou puro drama a minha chateação com as mudanças.
- Por mais que moremos no mesmo prédio, as vezes te sinto muito longe, então pra matar a saudade eu fico ali, no jardim, plantando o que me lembra você. Cuidando do que me faz te sentir por perto. Mas não posso ficar o tempo todo por lá, então descobri uma forma de te sentir aqui de cima também.”
Então, debruçando sobre o parapeito do terraço, ela apontou pra baixo, onde ficava o jardim. Indicando que Vênus devia olhar.
Quando se debruçou também, Vênus pode entender a raiva de Marte... Cada planta, cada cor, cada forma ali em baixo eram completamente naturais, comuns quando se estava lá, perto. Dentro. No meio do jardim. Eram belos, mas não passavam de plantas aos olhos comuns, ali de cima ela pode entender a mágica. Organizado do jeito que estava, o jardim formava uma imagem, um rosto... Vênus podia ver, era o seu rosto que se formava. Uma lembrança vaga do seu rosto que ia mudando a frente dos seus olhos, ficando cada vez mais parecida com ela... Parecia até que sorria... Vênus enfim viu a mágica.
Elas brigavam por causa do jardim... Mas ali de cima, já não tinha importância essa briga.
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