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terça-feira, 10 de julho de 2018

Qual o som das ondas quando não há ninguém para ouvi-las?

Te beijar não é uma expectativa, como numa obrigação cotidiana
como trabalhar ou lavar os pés.
É desejo, uma esperança que pode ou não se concretizar.
É um sabor que faz falta no café da manhã,
Um carinho gostoso de se ter.
Ter?
O que tenho são as lembranças, as sensações.
O que tenho é a vontade de te ver feliz.
Isso basta?
Isso acalma. Sentir seus beijos me faz feliz, te faz?
Minha vontade às vezes é de não soltar minha boca da sua.
Na impossibilidade me satisfaço de outras formas,
Me deixo contente com notícias boas,
Me acalento com a visão de que nada na vida é imutável, mesmo que improvável.
Não posso mudar o mundo para acolher todas as minhas vontades
Nem mudar minha vontade pra encaixar o mundo.
Deixo fluir, liberto, pra entender os espaços que ocupo, que me cabem,
que me afastam e aproximam dos seus lábios, como onda.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

nota de pé de página

quando acordei, o céu estava cinza
o vento soprava com força e o dia parecia de cabeça para baixo

uma árvore caiu no meio dia
suas raízes expostas me contavam dos anos de sua existência

uma arvore caiu no meio do dia 
de uma cidade agitada e indiferente
cinza e seca, áspera

o asfalto quente machucava meus pés descalços
ali no meio do dia enquanto via a árvore no chão

'cupins!' dirão alguns
sempre justificando o que não sabem
'ouvi dizer que árvores caem aos sábados'
'foi culpa do solo da região'

mas a árvore permanece deitada
logo menos, brigarão por partes de seu tronco
farão bancos, escrivaninhas.

a vida da árvore, a sua queda, nada disso importa

enquanto divago, meus pés ainda descalços continuam a queimar no asfalto

sábado, 23 de junho de 2018

Tempo e espaço

Eu penso sempre nas noções que temos de espaço e tempo, como entendemos essas medidas. Essa medida.

O universo é engraçado, não?
construímos carros, navios, aviões para superar distâncias, usamos relógios, movimentos estelares pra contabilizar o tempo. Então como explicar que eles são uma coisa só? como entender esse caos orquestrado que rege nossa existencia?

Vamos marcar um período de tempo, por exemplo 6 anos. Usar também uma medida de distância, talvez umas 300 milhas? Pode ser em quilômetros, quase 500!

O que se sabe com essas informações? O que pode se supor? Que histórias consegue imaginar com esses dados? Quer ouvir a minha?

Vou voltar à teoria. o universo é uma coisa, um trem, tão grande, que pra contabilizar distâncias contamos o tempo que a luz demora pra chegar até determinado ponto. a luz, aquela coisa, trem, que atinge velocidades difíceis de imaginar. 

E o pensamento? qual sua velocidade? o pensamento, dizem, é mais lento que a velocidade do som, ele parece rápido porque só percebemos o nível consciente do seu processamento. o resto é escuro.

Essas aleatoriedades pra tentar entender como é possível que nesse espaço de tempo que eu citei, seis anos, eu sinta como se tivesse experimentado uma vida inteira. nascer e morrer.

O que o universo pode me trazer de consolo? de entendimento?
O que eu faço com essa informação?

No desespero eu vejo graça, na falta de conhecimento eu vejo luz.

Como pode ser que eu sinta tudo isso? Como é que eu te amo?

Tudo na vida é relativo

Eu passei muitos anos relativizando. é coisa da minha cabeça. só eu me sinto assim.

Mas será, me perguntei algumas vezes. parece tão real, será que sou só, sou só eu?

O espaço dilatou, o tempo contraiu, o mesmo com meus pulmões. Nasceram cabelos brancos, surgiram cicatrizes... Com você também? Claro! Claro que sim! Você existe, não existe? Então está exposta ao vai e vem das ondas da vida, também viveu tsunamis. Porém como explicar? A vida acontecia, morte e vida, e ainda sim permaneceu.

Novamente pergunto, pra que relógios? Carros e afins? Estivemos lado-a-lado em várias ocasiões. Te vi, te alcancei, ou terá sido você?

domingo, 15 de abril de 2018

Pecan em Ré

Quanto tempo demora pra percorrer alguma distância, encurtar o espaço, dobrar esse tempo?


Quantas inspirações e expirações eu preciso contar?


Quantas vezes tenho que ouvir essa música no repeat?


Quantas perguntas posso formular?

São muitas as dúvidas, existe aula de reforço nessa matéria?

Cinquenta e duas mil, quinhentas e sessenta horas.

E ainda assim, permanece.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

fragmentos

Toda história tem dois lados, três, vários.
Muda o narrador, muda a forma de contar.
São realidades que se formam paralelas umas às outras.

Eu não sei quando percebi que o barco estava afundando. Percebi tarde demais que o rombo no casco tinha sido feito pela minha fuga. Pra fugir de mim tive de fugir de você, te negar como aliado, te negar a existência.

Arrependimentos? Sim, vários. Mas arrependimentos não concertam espíritos partidos.
Como pedir desculpas quando você não se perdoa? Não quero transferir mais essa responsabilidade.

Dentro de mim a certeza de que não há perdão é grande. Os machucados são profundos e talvez só o tempo pode contar dessa cicatrização.

A expectativa se concretizou, o boicote aconteceu, a minha responsabilidade me chamou atenção e o que fazer com esse pedido de perdão? Olho pela janela e essas poucas palavras que começaram a sair com a claridade do dia terminam em noite. A dificuldade permanece, sou o último a sair. Me desculpe, apago a luz.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Amor dá em árvore?
Muda de nome e endereço?
Amor atende telefone?
Anda descalço, sobe pelas paredes?
Amor sabe o que é laço?
Entende bem o português que falo?
Amor joga video-game, pula corda?
Amor anda de bicicleta?
Amarra os sapatos?
Brinca de esconde esconde?
Amor sabe que faz falta?
Onde o amor faz as compras de mês?
Qual padaria prefere aos sábados?
Onde se diverte?
Amor sabe dar cambalhota? Plantar bananeira?
Amor pisca?

Amor sente.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Conversa de parafusos

E já se vão quase cinco anos... Quase cinco depois que o barco virou e eu perceber que não sabia nadar. Achei que sabia, mas só tinha nadado nas águas rasas e sob sua supervisão.

Mas esse não é um texto desabafo sobre o quanto sinto sua falta, porque sinto, mas essa agora é uma constante e não vem ao caso. Começo assim o texto porque sinto que escrever, hoje em dia, é meio como falar com você. Fica mais fácil conversar com a mãe na minha cabeça pra conseguir escrever a quem quer que leia, sobre as coisas que andam e pisam e esmurram portas. Não literalmente, é uma conversa sobre sensações, mãe. Já tive muita raiva, bom, as vezes me irrito pensando que você nunca mais vai estar aqui pra poder discutir política comigo, sentar e rir das bobeiras que eu falo. E brigar, céus, como é estranho sentir falta das brigas que a gente tinha! Eu já tive raiva de não poder contar com você pra fatura do cartão, pro almoço no fim do mês, pra falar que tô estudando de novo, serviço social, imagina? Ela tinha razão (mais uma vez), mãe! Como ela conseguia me ler assim, como se eu estivesse aberto em dois!

Aberto mãe, com ó no final mesmo. A gente nunca teve tempo pra essa conversa né? Eu não tinha clareza nenhuma dentro de mim pra poder te explicar, me explicar isso. Mas é, ó no final, ele, pessoa trans, eu lembro de ter te explicado isso ao menos. E lembro de você entender. Eu tenho medo mãe, de já ter te romantizado, ter guardado uma imagem que não é muito fiel, eu já esqueci da sua voz! Até hoje não consegui ver um só vídeo seu. Perdi aquele outro que você cantava 'ovelha negra', tocando o violão como quem sabia tudo, coitado do violão... Eu não sei o que você falaria comigo se estivesse aqui, agora, não sei como se sentiria afetada, não sei nem se me daria o apoio que sonho que me daria, mas isso não é o importante agora, o que importa é que, falar com sua lembrança na minha cabeça me dá calma.

Ela desatou nós, mãe. Igual aquela música que não vou poder te mostrar! E eu fiquei como quem decide ser feliz no meio do caos. Ser feliz mesmo com dor, com saudade, mesmo triste, entende? É a escolha que eu faço, 'todos os dias quando acordo'. Eu reparei uma dor no peito. Bem tímida, bem escondida. Uma dor de não demonstrar, sei lá. Dói não ser possível dizer que reconheço, que sinto tanto, sinto muito. É uma dor estranha demais, é uma dor de carinho, carinho que estacou. Empacou.

É engraçado isso tudo, parei para reler algumas linhas e me sinto bobo de te escrever pra dizer do rio dos meus sentimentos, suas profundezas e curvas. Suas, minhas, falhas. Mas não me envergonho, não mãe. Me recuso. Apenas reconheço o meu caminho, agradeço as delicadezas que a vida me ofereceu. O amor que ela me deu, o it que passou e me deixa feliz de lembrar, acho que ele causa essa dor estranha, mas não me queixo. Esse rio de sensações e sentimentos são a prova viva que vivo, estou vivendo. "Dias vão dias vêm, uns em vão outro nem", Zeca mãe, você também gostava de ouvir. Menos aquela do cigarro, essa não. Conversar com você me ajuda a não perder o foco, e assim vai passando, a dor, a alegria, esses cinco anos. E a última coisa que você me disse ainda ecoa nos ouvidos, como é cansativa a vida, mãe! Posso imaginar!

Não, não vou falar do Sassa hoje, ele vai receber o capítulo dele à parte, hoje é o meu rio de não ditos, esquecidos mãe. De lembranças deliciosamente reais, que boas ou não, tive nessa vida, e tive com você. Dos teatros e programas que adorava te levar, sempre penso 'nossa, minha mãe ia amar essa peça'. E ia mesmo. Mas será que ainda ia amar o que eu me tornei, essa pessoa? Ia me dizer que eu errei? Ou ia falar que tudo isso ia passar e meu coração ia se abrir algum dia?

Não sei, mãe. O que eu sei é que é muito mais fácil falar de mim quando finjo estar conversando com você, finjo? Não, quando converso com você-lembrança na minha cabeça. Assim consigo dizer muito do que não digo, Você-lembrança esclarece minha cabeça, foca, e eu sinto sua falta, todos os dias. Uns mais que outros. Eu não tive tempo, mãe, de te falar mais uma vez que eu te amo. E tenho medo dessa falta de tempo ter corrompido meu coração, porque depois que você morreu, parece que eu pisei na bola demais, senti demais e fiquei nesse mundo, dentro de mim. Muita coisa aconteceu, eu sinto falta de outro alguém também. Mesmo que a falta seja da lembrança do que a gente foi e há muito já não era. Só espero, mãe, que eu amadureça, nunca sinta vergonha de assumir minhas decisões, assumir quem eu sou e quem eu quero ser. E que meu coração se abra novamente e o universo me ensine a amar mais mesmo que o tempo seja muito curto.

Vem ver

Beringela

     Hoje eu quis falar com você, conversar sem nenhuma restrição sobre tudo o que fosse e é e será. Hoje eu quis muito que a cozinha fosse ...